O poeta lutador
A fase da poesia de Carlos Drummond que se inicia com o livro Claro enigma, de 1945, desenvolve não só temas filosóficos, mas também revela constante reflexão sobre a construção da linguagem poética.
Leia, a seguir, um poema bastante representativo dessa preocupação metalinguística.
O lutador
Lutar com palavras
é a luta mais vã.
Entanto lutamos
mal rompe a manhã.
São muitas, eu pouco.
Algumas, tão fortes
como o javali.
Não me julgo louco.
Se o fosse, teria
poder de encantá-las.
Mas lúcido e frio,
apareço e tento
apanhar algumas
para meu sustento
num dia de vida.
Deixam-se enlaçar,
tontas à carícia
e súbito fogem
e não há ameaça
e nem há sevícia
que as traga de novo
[...] Lutar com palavras
parece sem fruto.
Não têm carne e sangue...
Entretanto, luto.
Palavra, palavra
(digo exasperado),
se me desafias,
aceito o combate. [...]
O ciclo do dia
ora se conclui
e o inútil duelo
jamais se resolve.
O teu rosto belo,
ó palavra, esplende
na curva da noite
que toda me envolve.
Tamanha paixão
e nenhum pecúlio.
Cerradas as portas,
a luta prossegue
nas ruas do sono.
Carlos Drummond de Andrade. In Claro enigma. © Graña Drummond <www.carlosdrummond.com.br> Rio de Janeiro: Record. Carlos Drummond de Andrade em 1977.
vã: inútil
sevícia: maus- tratos
pecúlio: beneficio
1. Nos cinco primeiros versos, apresenta-se o combate a que o poeta se entrega para expressar-se.
a) Qual é o combate a que o poeta se entrega?
b) O que o poeta sente em relação ao seu "adversário"? Justifique sua resposta com verso(s) do poema.
2. Releia os versos a seguir.
"Deixam-se enlaçar,
tontas à carícia
e súbito fogem
e não há ameaça
e nem há sevícia
que as traga de novo
ao centro da praça."
a) Por que se pode afirmar que, de acordo com esses versos, as palavras revelam um caráter enganador?
b) Sob o ponto de vista do eu lírico, o caráter enganador das palavras revela:
⦁ impossibilidade de comunicação.
⦁ dificuldade de encontrar a expressão pretendida.
⦁ fracasso na escolha temática dos poemas.
⦁ o gosto pela busca da forma poética perfeita.
3. É correto afirmar que a luta do eu lírico, ainda que lhe pareça inútil, prossegue incessantemente? Por quê?
4. Por que o eu lírico, mesmo tendo consciência de que a sua luta é vã, não desiste do combate?