Autopsicografia
Fernando Pessoa
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem
Não as duas que ele teve,
Mas só as que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
(PESSOA, Fernando. Cancioneiro. In:
Fernando Pessoa: obra poética. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1972. p 164-165.)
QUESTÕES DE INTERPRETAÇÃO
1. Qual é o tema desse poema?
2. Qual é o impasse vivenciado pelo poeta no processo de criação?
3. Qual é alternativa que não se relaciona ao poema? Justifique sua resposta.
a) Uso de redondilhas menores, forma poética popular em Portugal.
b) A primeira estrofe apresenta a relação entre autor e obra.
c) A segunda estrofe apresenta a relação entre leitor e obra.
d A terceira estrofe mostra a consequência da relação entre autor, leitor, obra, emoção e razão.
e) O mundo fictício criado pelo poeta é percebido pelo leitor como verdade.
4. Que alternativa não está de acordo como o poema?
a) O poema expressa os sentimentos reais imediatos vivenciados pelo poeta.
b) O poema é fruto da criação e do trabalho de linguagem elaborado pelo poeta.
c) "Autopsicografia" é um poema metalinguístico, pois tematiza o processo de criação.
d) Há um diálogo entre o eu do escritor (ser criador, real) e o eu poético (personalidade fictícia).
e) Cada leitor vivencia a dor fingida pelo poeta de acordo com sua experiência pessoal.
5. Qual é a função dos versos que vêm após o primeiro: "O poeta é um fingidor"?
6. A segunda estrofe faz referência à experiência da dor. Explique-a.
7. De acordo com a terceira estrofe, qual é o efeito do poema no leitor? E no criador?
8. A que se referem os termos a seguir, extraídos ao poema?
a) "calhas de roda"
b) "comboio de corda"
GABARITO
1. O tema é a criação do poema como resultado do fingimento poético. Se trata de uma reflexão sobre o fazer poético por meio da metalinguagem, que consiste em criar um poema por meio do qual se discute o próprio processo de construção.
2. O impasse consiste em fingir que está sentindo o que sente de verdade.
3. Auto: prefixo grego que significa a si mesmo. Psic(o): radical grego que significa alma. Grafia: radical grego que significa escrita/descrição. Assim, "Autopsicografia" significa escrita/descrição sobre a própria alma, sobre si mesmo; análise psicológica de si mesmo.
4. Alternativa a. Os versos têm sete sílabas: redondilhas maiores.
5. Alternativa a. Reflita a respeito do fato de que o que constrói o poema é a linguagem poética e não a pura experiência vivenciada. O fingimento poético consiste em representar tanto o vivido quanto o não vivido.
6. Eles têm a função de explicar e confirmar o tema do fingimento poético.
7. Resposta pessoal. Perceba que a estrofe refere-se à dor realmente sentida pelo poeta, à dor fingida pelo poeta, à dor real do leitor e à dor motivada pela ação intelectual da leitura e da reflexão poética.
8. Ambos se abstraem da dor real e se entretêm com a dor fingida. Essa estrofe é uma conclusão, que faz referência à função lúdica (entreter) e catártica (liberar sentimentos) do poema ao prazer do criador e do leitor.
9.
a) Refere-se à razão, ao intelecto, ao raciocínio; ao juízo. Na terceira estrofe, a "razão" está relacionada ao trabalho intelectual, ao ato de pensar (com lógica), à criação do poema por meio da linguagem.
b) Refere-se ao coração, às sensações, aos sentimentos reais e inventados. Na terceira estrofe, o coração simboliza a imaginação, as sensações (de dor, por exemplo) que podem motivar o ato criativo.