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Leia o texto a seguir.
Não te amo
Neste poema, o eu lírico explora uma das dualidades básicas da estética romântica.
Não te amo, quero-te: o amor vem d'alma.
E eu n'alma — tenho a calma,
A calma — do jazigo.
Ai! não te amo, não.
Não te amo, quero-te: o amor é vida.
E a vida — nem sentida
A trago eu já comigo.
Ai, não te amo, não!
Ai! não te amo, não; e só te quero
De um querer bruto e fero
Que o sangue me devora,
Não chega ao coração.
Não te amo. És bela; e eu não te amo, ó bela.
Quem ama a aziaga estrela
Que lhe luz na má hora
Da sua perdição?
E quero-te, e não te amo, que é forçado,
De mau feitiço azado
Este indigno furor.
Mas, oh! Não te amo, não.
E infame sou, porque te quero; e tanto
Que de mim tenho espanto
De ti medo e terror...
Mas amar!... não te amo, não.
ALMEIDA GARRETT. Folhas caídas. Porto: Porto Editora, s. d. p.40. [Coleção Clássicos da Literatura Portuguesa). Biblioteca digital.
Disponível em: <http://www.portoeditora.pt/bdigital/default.asp?param=08020100>Acesso em:11 dez.2009
Jazigo: sepultura.
Fero: sanguinário, violento, cruel.
Aziaga: de má sorte, de mau agouro.
1. No primeiro verso o eu lírico estabelece uma oposição que irá desenvolver ao longo do poema. Que oposição é essa?
> Pelo tema do poema, é possível fazer uma imagem do interlocutor a quem o eu lírico se dirige. Que interlocutor seria esse? Explique.
2. Ao longo do poema, o eu lírico utiliza diferentes imagens para definir o amor. Quais são elas?
> Que argumento é apresentado, na primeira estrofe, como demonstração de que o sentimento do eu lírico não pode ser identificado como amor?
3. Também o querer é associado a imagens diversas, ao longo do poema. Quais são elas?
> Qual é o sentido básico dessas imagens? Por quê?
4. Podemos identificar, ao longo do poema, a história de um drama individual, de gosto bem romântico. Que drama seria esse?
> Por que a oposição amor x querer ajuda a reforçar a ideia do amor como um dos principais valores românticos?
Gabarito
1. A oposição entre amor e querer.
> Como o eu lírico se preocupa em deixar claro que aquilo que sente é querer e não amor, pode-se imaginar que o seu interlocutor seja a mulher que desperta esse querer. Isso fica claro na declaração inicial: "Não te amo, quero-te".
2. O amor é apresentado como um sentimento que vem da alma e, em seguida, como sendo sinônimo de vida.
> Segundo o eu lírico, o amor vem da alma e, como na sua alma ele tem a "calma do jazigo" (ou seja, não há qualquer sentimento que agite a sua alma, ela se encontra tão calma como um túmulo), não pode estar vivendo um amor. Na segunda estrofe, quando associa o amor à vida, o eu lírico reafirma a impossibilidade de estar amando, já que a vida "nem sentida! A trago eu já comigo".
3. O querer é apresentado como um sentimento bruto e fero, como algo que devora o sangue, como uma estrela de mau agouro que brilha no momento da perdição, como um furor, como algo que desperta medo e terror.
> Todas as imagens associadas ao querer têm conotação negativa. A mais forte delas o apresenta como uma estrela de mau agouro que brilha no momento da perdição do indivíduo. O querer, quando toma conta de um indivíduo, portanto, é capaz de determinar um destino negativo, de tristeza e destruição.
4. O drama individual é vivido pelo eu lírico, que se confessa vítima de um querer incontrolável. Apesar e e e apresentar vários argumentos que identificam o querer como um sentimento negativo, não parece conseguir livrar-se desse fogo que lhe devora o sangue e faz com que sinta "medo e terror" da mulher capaz de aprisioná-lo de modo tão violento. A luta interna entre o sentimento desejado - o amor - e o indesejado - o querer - é um dos temas muito explorados pelos poetas românticos.
> O poema explora a ideia romântica de que o amor é um sentimento nobre, algo que traz vida, calma e promove uma certa purificação do indivíduo. O querer, por outro lado, nasce dos desejos carnais, provoca descontrole, faz com que o indivíduo se veja "prisioneiro" do objeto de seu desejo. O poema de Garrett pode ser visto, nesse sentido, como um manifesto contra o desejo, já que o eu lírico passa todo o tempo lutando contra o querer que o aprisiona.
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