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**Gabarito no final**
Alice descansava com a irmã mais velha à sombra de uma árvore quando foi surpreendida pela visão de um coelho branco e de olhos cor-de-rosa. Do bolso do colete que vestia, o coelho tirou um relógio e, conferindo os ponteiros, concluiu estar atrasado. Intrigada com o que via, Alice decidiu seguir o animal. Foi parar em um mundo subterrâneo no qual a lógica da realidade frequentemente era posta à prova. Leia, a seguir, um trecho do romance Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll, em que a protagonista conhece algumas curiosas personagens.
Um chá maluco
Em frente à casa havia uma mesa posta sob uma árvore, e a Lebre de Março e o Chapeleiro estavam tomando chá; entre eles estava sentado um Caxinguelê, que dormia a sono solto, e os dois o usavam como almofada, descansando os cotovelos sobre ele e conversando por sobre sua cabeça. "Muito desconfortável para o Caxinguelê", pensou Alice; "só que, como está dormindo, suponho que não se importa".
Era uma mesa grande, mas os três estavam espremidos numa ponta: "Não há lugar! Não há lugar!", gritaram ao ver Alice se aproximando. "Há lugar de sobra!", disse Alice, indignada, e sentou-se numa grande poltrona à cabeceira.
[...]
"Não foi muito polido da sua parte sentar-se sem ser convidada", retrucou a Lebre de Março.
"Não sabia que a mesa era sua", declarou Alice; "está posta para muito mais do que três pessoas".
"Seu cabelo está precisando de um corte", disse o Chapeleiro. Fazia algum tempo que olhava para Alice com muita curiosidade, e essas foram suas primeiras palavras.
"Devia aprender a não fazer comentários pessoais", disse Alice com alguma severidade; "é muito indelicado".
O Chapeleiro arregalou os olhos ao ouvir isso; mas disse apenas: "Por que um corvo se parece com uma escrivaninha?".
"Oba, vou me divertir um pouco agora!", pensou Alice, "Que bom que tenham começado a propor adivinhações". E acrescentou em voz alta: "Acho que posso matar esta".
"Está sugerindo que pode achar a resposta?", perguntou a Lebre de Março.
"Exatamente isso", declarou Alice.
"Então deveria dizer o que pensa", a Lebre de Março continuou.
"Eu digo", Alice respondeu apressadamente; "pelo menos... pelo menos eu penso o que digo... é a mesma coisa, não?".
"Nem de longe a mesma coisa!", disse o Chapeleiro. "Seria como dizer que 'vejo o que como' é a mesma coisa que 'como o que vejo'!"
"Ou o mesmo que dizer", acrescentou a Lebre de Março, "que 'aprecio o que tenho' é a mesma coisa que 'tenho o que aprecio'!"
"Ou o mesmo que dizer", acrescentou o Caxinguelê, que parecia estar falando dormindo, "que 'respiro quando durmo' é a mesma coisa que 'durmo quando respiro'!"
"É a mesma coisa no seu caso", disse o Chapeleiro e nesse ponto a conversa arrefeceu, e o grupo ficou sentado em silêncio por um minuto, enquanto Alice refletia sobre tudo de que conseguia se lembrar sobre corvos e escrivaninhas, o que não era muito.
O Chapeleiro foi o primeiro a quebrar o silêncio. "Que dia do mês é hoje?" disse, voltando-se para Alice. Tinha tirado seu relógio da algibeira e estava olhando para ele com apreensão, dando-lhe umas sacudidelas vez por outra e levando-o ao ouvido.
Alice pensou um pouco e disse: "Dia quatro".
"Dois dias de atraso!", suspirou o Chapeleiro. "Eu lhe disse que manteiga não ia fazer bem para o maquinismo!", acrescentou, olhando furioso para a Lebre de Março.
"Era manteiga da melhor qualidade", respondeu humildemente a Lebre de Março .
"Sim, mas deve ter entrado um pouco de farelo", o Chapeleiro rosnou. "Você não devia ter usado a faca de pão."
A Lebre de Março pegou o relógio e contemplou-o melancolicamente. Depois mergulhou-o na sua xícara de chá e fitou-o de novo. Mas não conseguiu encontrar nada melhor para dizer que seu primeiro comentário: "Era manteiga da melhor qualidade". [...]
CARROLL, Lewis. Alice no país das maravilhas. Trad. Mana Luiza X de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. p. 67-69.
VOCABULÁRIO DE APOIO
algibeira: pequeno bolso costurado por dentro da roupa
arrefecer: esfriar
caxinguelê: espécie de esquilo
fitar: olhar fixamente para algo
maquinismo: mecanismo, conjunto de peças que faz funcionar um aparelho
polido: educado
severidade: rigor, dureza
QUESTÕES DE INTERPRETAÇÃO
1. Ao se aproximar da mesa com vários lugares vazios. Alice ouve do Chapeleiro e da Lebre de Março: "Não há lugar! Não há lugar!". A julgar pelo andamento da conversa, o que Alice poderia depreender desse primeiro comentário? Explique.
1. Ao se aproximar da mesa com vários lugares vazios. Alice ouve do Chapeleiro e da Lebre de Março: "Não há lugar! Não há lugar!". A julgar pelo andamento da conversa, o que Alice poderia depreender desse primeiro comentário? Explique.
2. O Chapeleiro diz a Alice que o cabelo dela precisa de corte. Por que esse comentário contraria o esperado de uma conversação típica? Indique pelo menos duas razões.
3. Diante da reação de Alice ao comentário sobre seu cabelo, o Chapeleiro questiona: "Por que um corvo se parece com uma escrivaninha?". Qual pode ter sido a intenção do Chapeleiro ao fazer essa pergunta?
4. Alice supõe que "dizer o que se pensa" é a mesma coisa que "pensar o que se diz". Ela está certa? Explique.
5. O Chapeleiro e a Lebre de Março discordam de Alice e a corrigem. Explique a diferença de sentido produzida pela mudança na ordem das palavras em cada um dos exemplos dados pelas duas personagens.
6. O que o Chapeleiro dá a entender quando afirma que, no caso da personagem Caxinguelê, dizer "respiro quando durmo" é o mesmo que dizer "durmo quando respiro"?