EF67LP12, EF67LP27, EF69LP49, EF07LP12, EF89LP32 Interpretação fragmento "Infância" - Graciliano Ramos - 6º e 7º anos com gabarito

 

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O texto que você lerá a seguir é um trecho do livro Infância, de Graciliano Ramos, publicado em 1945. Nele, o autor narra um acontecimento de sua infância em que apareceram “almas”.

1. Leia as informações abaixo “Quem é Graciliano Ramos?”, considere o que já aprendeu sobre textos autobiográficos e responda: O que espera encontrar no texto?

Quem é Graciliano Ramos?
Graciliano Ramos, nasceu em Alagoas, em 1882, e foi escritor, memorialista e jornalista. Viveu com a família em diferentes cidades de Pernambuco e Alagoas e exerceu atividades políticas e educacionais. Escreveu obras literárias fundamentais na literatura brasileira, destacando-se Vidas secas, Memórias do cárcere e Angústia. Suas obras foram traduzidas para 24 idiomas e publicadas em mais de trinta países. Faleceu no Rio de Janeiro, em 1953.

No trecho de Infância que você lerá, o narrador conta acontecimentos de quando era muito pequeno (entre 3 e 5 anos), vivendo em Buíque, Pernambuco. Preste atenção em como ele nos ajuda a imaginar e a ter sensações dessa infância.

Infância

[...] Algum tempo depois estávamos localizados, negócio e família, numa esquina, perto do Cavalo-Morto. Atrás da loja, de quatro portas, duas em cada frente, havia o armazém de ferragens e o depósito de milho, onde eu e minhas irmãs brincávamos. A um lado, a sala de visitas, as cavernas do casal e das meninas, a despensa e a cozinha. Um corredor separava a habitação do estabelecimento, desembocava na sala de jantar, larga e baixa. Aí bancos ladeavam a mesa grosseira, e uma cama de lona escondia-se num canto, a cama que me ofereceram quando larguei a rede, por causa das almas do outro mundo.

As almas vieram uma noite, quatro ou cinco, estirando-se e acocorando-se à entrada do corredor. Assustei-me, gritei, acordei toda a gente, descrevi as figuras luminosas que se moviam na escuridão, subindo, baixando. Quando subiam, as cabeças delas alcançavam o teto. Fui deitar-me noutro lugar e no dia seguinte obtive uma notoriedade que me envergonhou. Repetiram o fato, acreditaram nele, responsabilizaram-me por minudências de que não me recordava. Podia um ser tão miúdo inventar aquilo? Atordoava-me, queria evitar os exageros, dizer que a minha história não merecia importância, e receava desprestigiar-me. Eu tinha julgado perceber umas luzes — e as luzes tomavam corpo de repente, entravam nas conversas. Senti remorso, desejei reduzir as minhas almas. Assombrara-me à toa. Vinham-me, porém, dúvidas. Afirmaram, desenvolveram o caso estranho — e por fim admiti a visão. Talvez não me houvesse enganado completamente. Não enxergara as claridades que se alongavam e encurtavam, mas devia ter visto qualquer coisa. 

Esqueci pouco a pouco a aventura e apaguei-me, reassumi as proporções ordinárias. Ficou-me, entretanto, um resto de pavor, que se confundiu com os receios domésticos. [...]

Vivíamos numa prisão, mal adivinhando o que havia na rua, enevoada longos meses. Conhecíamos o beco: da janela do armazém, trepando em rolos de arame, víamos, em dias de sol, matutos de saco no ombro, cavalos amarrados num poste grosso, transeuntes que se chegavam cautelosos ao muro, espiavam os arredores e se afastavam depois de molhar o tijolo vermelho. 

A alguns passos, na outra esquina, uma casa semelhante à nossa. Três meninos, uma senhora magra, nervosa, um homem de pernas finas metidas em calças estreitas demais, pernas que lhe tinham rendido a alcunha. Desajeitado em cima delas, Teotoninho Sabiá piscava os olhos amarelos de ave, sacudia as grandes asas depenadas e bocejava um cacarejo inexpressivo. Observávamos pedaços de vida, namorávamos o oitão da outra gaiola, aberta, e tínhamos inveja imensa dos Sabiás pequenos, desejávamos correr e voar com eles. 

Nos dias de inverno o beco se transformava num rego de água suja, onde se desfaziam complicados edifícios e navegavam barquinhos de papel, sob o comando de um garoto enlameado. A garoa crescia. A chuva oblíqua enregelava-nos. Uma cortina oscilante ocultava os móveis, as prateleiras da loja. Os tecidos criariam mofo, os metais se oxidariam. Fechavam-se as portas e as janelas. As figuras moviam-se na sombra, indeterminadas. 

[...]  Não se distinguia nenhum ruído fora a cantiga dos sapos do açude da Penha — vozes agudas, graves, lentas, apressadas, e no meio delas o berro do sapo-boi, bicho terrível que morde como cachorro e, se pega um cristão, só o larga quando o sino toca. Foi Rosenda lavadeira quem me explicou isto. Admirável o sino. Como seria o sapo-boi? Pelas informações, possuía natureza igual à natureza humana. Esquisito. Se eu pudesse correr, sair de casa, molhar-me, enlamear-me, deitar barquinhos no enxurro e fabricar edifícios de areia, com o Sabiá novo, certamente não pensaria nessas coisas. Seria uma criatura viva, alegre. Só, encolhido, o jeito que tinha era ocupar-me com o sapo-boi, quase gente, sensível aos sinos. Nunca os sinos me haviam impressionado.

Sapo-cururu
Da beira do rio.
Não me bote na água, Maninha:
Cururu tem frio. 

Cantiga para embalar crianças. Os cururus do açude choravam com frio, de muitos modos, gritando, soluçando, exigentes ou resignados. Eu também tinha frio e gostava de ouvir os sapos.

RAMOS, Graciliano. Infância. 14. ed. Rio de Janeiro: Record, 1978. p. 56-60.

GLOSSÁRIO

Cavalo-Morto: região do município de Buíque (PE). A área começou a ser povoada em 1752. O local, antes uma simples fazenda de criação, progrediu após a construção de uma capela e se tornou um povoado. Graciliano Ramos viveu ali parte de sua infância, entre os anos de 1894 e 1904.
Notoriedade: fama, reputação.
Minudências: detalhes.
Atordoava-me: perturbava-me.
Desprestigiar-me: perder o prestígio, depreciar-me.
Transeuntes: pedestres.
Alcunha: apelido.
Oitão: parede lateral.

2. O primeiro parágrafo termina com uma expressão que faz referência a quê? Localizem e copiem essa expressão no caderno. Identifiquem, ao longo do segundo parágrafo, outras palavras e expressões que servem para retomar essa mesma referência.

3. Releiam:
“Repetiram o fato, acreditaram nele, responsabilizaram-me por minudências de que não me recordava. Podia um ser tão miúdo inventar aquilo?”

a) Os verbos repetiram, acreditaram e responsabilizaram podem remeter a ações de quais personagens?
b) A quem se referem os pronomes nele e me?
c) A expressão “um ser tão miúdo“ é usada para fazer referência a qual personagem? O que revela sobre ele?

4. Leiam novamente estes outros trechos: 
“Senti remorso, desejei reduzir as minhas almas. Assombrara-me à toa.”
“Não enxergara as claridades que se alongavam e encurtavam, mas devia ter visto qualquer coisa.”

a) No primeiro trecho, localizem os verbos e depois os organizem no caderno em duas colunas:
Coluna A: Verbos que indicam ações referentes ao narrador, concluídas no passado.
Coluna B: Verbos que indicam ações do narrador, em um passado anterior ao referenciado no texto.

b) Entre os verbos em destaque no segundo trecho, encontre o(s) que:

I. indica(m) ações continuadas, não concluídas no passado, referentes às claridades, palavra que, por sua vez, retoma e modifica a expressão “almas do outro mundo”;
II. representa(m) uma locução que expressa uma hipótese, uma possibilidade no passado, de ação do narrador;
III. indica(m) uma ação do narrador concluída em um passado anterior aos demais sugeridos na narrativa e que indica(m) também uma certeza na ação.

Quando a fala da personagem é representada de forma direta, como se a própria personagem “falasse” no texto, temos o discurso direto.
Quando o narrador fala pela personagem, mas usando um verbo que indica claramente que a fala é de outra (disse, falou, comentou, protestou etc.), temos o discurso indireto. Quando se mistura na fala do narrador uma fala da personagem, temos o discurso indireto livre. O uso de um ou de outro jeito de introduzir as falas das personagens é uma escolha de quem escreve, conforme o efeito que ele quer que o texto provoque no ouvinte/leitor/espectador.

5. Leiam e comparem:
I.
Repetiram o fato, acreditaram nele, responsabilizaram-me por minudências de que não me recordava. E então disseram: “Podia um ser tão miúdo inventar aquilo?”.
II. Repetiram o fato, acreditaram nele, responsabilizaram-me por minudências de que não me recordava. E então disseram: — Podia um ser tão miúdo inventar aquilo?
III. Repetiram o fato, acreditaram nele, responsabilizaram-me por minudências de que não me recordava e se perguntavam se podia um ser tão miúdo inventar aquilo.
IV. “Repetiram o fato, acreditaram nele, responsabilizaram-me por minudências de que não me recordava. Podia um ser tão miúdo inventar aquilo?”

a) Em qual(is) desses trechos há clara separação entre a fala do narrador e a fala direta das personagens?
b) Em qual(is) desses trechos apenas o narrador fala, mas deixa claro que está citando o que outros disseram?
c) Em qual(is) desses trechos a voz parece continuar sendo a do narrador, mas o discurso, para fazer sentido, é da personagem, embora não haja separação por sinal ou uso de um verbo indicando que se trata de fala de personagem?

6. Leiam e comparem:
I.
Vivíamos como em uma prisão, mal adivinhando o que havia na rua, enevoada longos meses.
II. “Vivíamos numa prisão, mal adivinhando o que havia na rua, enevoada longos meses”.
III. Teotoninho Sabiá piscava os olhos amarelos como os de uma ave.
IV. “Teotoninho Sabiá piscava os olhos amarelos de ave [...]”.

a) Em quais orações foi trabalhada a comparação para ajudar o leitor a imaginar características do espaço e da personagem?
b) Em quais há metáfora, ou seja, não aparece palavra que marca comparação, mas o leitor percebe que precisa relacionar o que usualmente significam as palavras e o que passam a significar com o uso inesperado que é feito delas?

7. Releia o 5o parágrafo e identifique em seu caderno, organizando uma tabela, as metáforas usadas e os sentidos que elas provocaram em sua leitura.

8. O que acontecia com as portas e janelas da casa do narrador com a chegada do inverno? Como deveria se sentir a criança nessa ocasião?

9. Por que a criança ficava pensando no sapo-boi e em assombrações, segundo o narrado.

10. Vocês já conheciam a cantiga do sapo-cururu? Em caso afirmativo, em que situações da vida de vocês ela esteve presente? O que a citação dessa cantiga na narrativa sugere sobre os sentimentos e as emoções da criança?

Gabarito

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